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quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Drogas, democracia e saúde

ENTREVISTA COM DRS Sérgio Irikura,

Maria Heloísa Bernardo, Jorge Daher

e Tiago Cintra Essado POR ISMAEL GOBBO

PUBLICADA NA FOLHA ESPÍRITA, SP, 12/2009

A Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia, cuja primeira reunião foi realizada em agosto, tem o objetivo de discutir o tema com a sociedade civil e deslocar o foco da repressão para o tratamento dos usuários. Entre seus membros, estão personalidades como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e os ministros do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso e Ellen Gracie.

A Associação Brasileira de Psiquiatria, por meio do Departamento de Dependência, vem defendendo, junto com outras organizações científicas, que o consumo de drogas – legais ou não – deve ser encarado como um problema social e de saúde pública. Como a proposta geral da comissão é focar no tratamento, a iniciativa pode render bons resultados. Contudo, segundo aponta a entidade, ela carece de posicionamentos cientifi camente fundamentados, já que, entre seus 27 componentes, há apenas um médico: Dráuzio Varela. “Para resolver um problema tão complexo, a política sobre drogas hoje deveria estar de braços dados com a ciência”, defendem João Alberto Carvalho, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria; e Ana Cecília Petta Roselli Marques, coordenadora do Departamento de Dependência Química da entidade.

Para falar sobre o tema, a Folha Espírita conversou com o médico neurologista Sérgio Irikura, de Araçatuba (SP); a psicóloga Maria Heloísa Bernardo, de São Bernardo do Campo (SP); o médico Jorge Daher, da Associação Médico-Espírita de Goiás; e Tiago Cintra Essado, presidente da Associação Jurídico-Espírita do Estado de São Paulo.

A sociedade está bem representada na Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia, criada recentemente?
Maria Heloísa
– A Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia carece de posicionamentos cientifi camente fundamentados. Há somente um profissional de saúde entre os 27 participantes; o diálogo deve ser multidisciplinar e a presença de quem trabalha e faz pesquisa na área é imprescindível. Se isso não acontece, o grupo passa a servir apenas para validar e repercutir proposições ideológicas, que estão longe de incluir a ciência do século XXI, a neurociência das drogas.

Daher – A sociedade não foi amplamente contemplada pela nomeação de notáveis. Movimentos importantes de defesa da vida e do ser humano não foram contemplados como membros da referida comissão.

Algumas autoridades importantes, dentre elas o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, mostram-se favoráveis à descriminalização de drogas para uso próprio. O que pensam sobre essa posição?
Essado
– A presença das drogas nas ruas é alarmante, pois atinge, sobretudo, nossas crianças e jovens. Com o fim da criminalização, a tendência, em uma sociedade permissiva como a nossa, é o uso se alastrar ainda mais. Acredito que a proibição legal seja necessária ainda para evitar que ânimos mais fracos avancem para esse caminho. No momento evolutivo da sociedade brasileira, a criminalização do uso auxilia o processo educativo, e a descriminalização
nenhum benefício trará, pelo contrário.

Irikura – Temos de diferenciar descriminalização de liberação. A descriminalização aos usuários de maconha deve ser debatida amplamente, pois o dependente químico é um doente, com critérios clínicos bem defi nidos pela Organização Mundial da Saúde e, como tal, deve receber tratamento multidisciplinar e não ser encarado como um criminoso. Já a liberação, que é diferente da descriminalização, acarretaria um aumento signifi cativo de usuários e, consequentemente, de doentes, assim como ocorre com as drogas lícitas (tabaco e álcool). Devemos procurar ouvir os pesquisadores sérios que estão envolvidos no estudo, que vivenciam e que pesquisam o tema na área de dependência química e em políticas públicas de saúde e segurança.

Maria Heloísa – O álcool e o tabaco são os maiores problemas de saúde pública no mundo atualmente. São drogas lícitas, comercializadas livremente. Segundo pesquisas realizadas pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas, a maconha é a droga ilícita mais utilizada no Brasil. Com a legalização, a maconha estaria nas mesmas condições dessas duas substâncias, portanto, de maior oferta e maior consumo. O resultado da legalização seria catastrófico, em termos de saúde pública!

Daher – Os usuários habituais de drogas têm como ícone o dependente que sai às ruas em busca da dose pequena que o satisfaça da fi ssura do vício, todavia, são os usuários habituais de poder aquisitivo que compõem a grande massa de usuários constantes e alimentam o mercado de cocaína com somas elevadas em compra de tóxicos para suas festas de embalo, e é assim que o mercado de drogas e de prostituição de todas as esferas se reforça e a sociedade se enfraquece.

Estudos afirmam que as chamadas drogas lícitas, como o álcool e fumo, criam mais dependência e prejudicam muito mais do que a maconha, que é proibida. Isto é verdadeiro?
Essado
– Sem dúvida alguma que o álcool é a porta de entrada para as drogas ilícitas. O acesso é amplo, a começar pelo consumo no próprio lar, nas escolas, em festas universitárias, enfi m, na vida social em geral. Considerando-se a proporção em que o álcool e o fumo são usados, e o número de consumidores, o prejuízo, de fato, é maior. A maconha hoje está fora de moda. As drogas terríveis são o crack e o ecstasy, drogas do momento, cujos efeitos são devastadores. Legalizar o uso delas? Que benefícios sociais trarão?

Irikura – O Relatório Mundial sobre Drogas, publicado em junho de 2009 pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), refere que a maconha continua sendo a droga mais cultivada e consumida em todo o mundo, ainda que as estimativas sobre essa droga sejam menos precisas. Os dados mostram também que ela é mais danosa à saúde do que se costuma acreditar. O índice médio de THC (o componente danoso da droga) observado na maconha, na América do Norte, quase dobrou na última década, trazendo implicações severas à saúde, tanto pelo uso esporádico como, principalmente, pelo uso crônico. O tabaco mata 5 milhões de pessoas por ano e o álcool cerca de 2,5 milhões de pessoas por ano em todo o mundo. Então, por que legalizarmos mais uma droga? Certamente, em alguns anos, teremos mais alguns milhões de mortes por essa terceira droga, a maconha.

Maria Heloísa – Gasta-se no mundo, por ano, com droga ilegal mais do que se gasta com alimentação, educação, vestuário, serviços médicos, ou qualquer outro produto ou serviço. Segundo estatísticas, o alcoolismo é a terceira doença que mais mata no mundo, precedida somente pelas doenças cardíacas e pelo câncer. As causas das mortes variam de cirrose hepática a ataques cardíacos. A estatística também inclui milhões de pessoas que morrem de acidentes automobilísticos relacionados com o abuso de álcool, metade dos assassinatos (sobretudo violência familiar) e 1/4 de todos os suicídios. Existe ainda uma terceira droga que mata mais do que o álcool: o fumo. O tabagismo provoca mais mortes do que todas as drogas psicoativas juntas. Hoje, não é possível falar de prevenção da dependência química sem enfrentar honesta e objetivamente o problema do tabagismo em nosso País, assim como todos os problemas que envolvem a disseminação e o incentivo ao uso das drogas legais.

O usuário de entorpecentes deve ser encarado como um paciente necessitado de tratamento ou um caso de polícia?
Essado
– A legislação atual, fundada na Lei 11.343/06, veda a pena de prisão para o usuário de drogas, no que andou bem. O usuário padece de problema psicossocial e espiritual. Por outro lado, a realidade brasileira é nua e crua: o consumo de droga no cárcere é algo rotineiro. A cadeia, pois, não condiz com o problema que ele apresenta. Deve sim, ser encaminhado para tratamento, prestação de serviços à comunidade, a trabalhos terapêuticos, entre outras alternativas.

Irikura – O relatório de 314 páginas sobre Drogas (2009) do UNODC, no item sobre saúde pública e segurança pública, refere que ambas não podem estar dissociadas, e que a sociedade não deveria ter de escolher entre priorizar a saúde pública ou a segurança pública. Os relatores sugerem aos países que querem tentar uma melhor forma de abordagem multidirecional, que invistam em medidas de prevenção e de tratamento, e em medidas mais eficazes para enfrentar o crime organizado relacionado às drogas. Nós, cidadãos, devemos exigir o cumprimento dos direitos que nos cabem (segurança e saúde), reivindicando pacificamente de nossos governantes que cumpram seus deveres.

Maria Heloísa – Consideramos a dependência química uma doença. Ela guarda semelhanças com o câncer, diabetes e as cardiopatias, no sentido de mal crônico, que, no longo prazo, produz danos físicos, psicológicos e sociais. É uma condição na qual uma pessoa desenvolve dependência biopsicossocioespiritual a qualquer droga alteradora do humor. A dependência química leva a pessoa a usar droga para conseguir gratifi cação no curto prazo, cria desconforto no longo prazo, e é acompanhada por obsessão, compulsão e perda de controle. Quando não está usando, o dependente está pensando, procurando ou planejando usar novamente, isto é a obsessão, compulsão e perda de controle. Com a evolução da doença, o uso interfere negativamente no viver, pois existe uma compulsão avassaladora para usar novamente, apesar das consequências dolorosas no longo prazo. O dependente químico usa a droga para aliviar a dor causada pelo seu uso. O uso contínuo do químico leva ao uso contínuo. Esse é o ciclo da doença.

Daher – Uma visão não se opõe à outra. Infratores adoecem e, no caso do dependente, o limite legal e a punição da lei servem como necessário tratamento para evitar recaída.

As políticas de combate às drogas fracassaram na América Latina, segundo relatório da Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia. Afinal, que rumo tomar?
Essado
– Os EUA investem maciçamente no combate às drogas. Contudo, é o país que apresenta o maior mercado consumidor. Isto permite-nos concluir que a repressão, por si só, não resolve o problema, porém deve ocorrer. A lógica, pois, consiste em focar o grande mercado consumidor, ativo ou em potencial. Combater o uso das drogas é atuar preventivamente. Estabelecer políticas públicas para que haja efetivamente um processo pedagógico que fortaleça emocionalmente nossas crianças e jovens, incutindo-lhes valores, princípios, enfi m, caráter, que revelem os reais objetivos da vida.

Irikura – Na questão 796 de O Livro dos Espíritos, questiona-se se a severidade das leis penais não é uma necessidade no estado atual da sociedade. A resposta: “Uma sociedade depravada certamente tem necessidade de leis mais severas. Infelizmente, essas leis mais se destinam a punir o mal depois de feito em vez de secar a fonte do mal. Só a educação pode reformar os homens, que então não terão mais necessidade de leis tão rigorosas”.

Maria Heloísa – Na realidade, é a política sobre drogas que precisa ser revisitada, não a lei. O equacionamento do problema deve incluir medidas repressivas, preventivas e assistenciais. Uso, abuso e dependência são problemas de saúde, que se resolve com a avaliação das necessidade de cada local, adequação dos recursos e procedimentos baseados em evidências científicas e, ao final, na avaliação da efetividade. Para resolver um problema tão complexo, a política sobre drogas hoje deveria estar de braços dados com a ciência.

Daher – As políticas de combate às drogas não devem ser dissociadas da política de valorização do homem e não podem desconsiderar sua dimensão espiritual.

Quais as medidas que poderiam ser implementadas para inibir o tráfico e diminuir o uso de drogas?
Essado
– O tráfico de drogas traz lucros vultosos. Com ele, estão o tráfico de armas, os homicídios, a corrupção, dentre outras mazelas sociais. A repressão hoje deve se voltar para o grande traficante, não aquele de varejo, que muitas vezes vende para se manter no vício. Enfim, a medida passa por uma modernização e valorização do aparato policial, que deve adotar táticas de inteligência investigativa. No entanto, focar no processo educativo é a principal missão do poder público atual.

Irikura – Acredito que deveria haver mais investimentos em medidas de prevenção e tratamento adequado aos dependentes químicos, além de estudos das Secretarias de Segurança Pública para enfrentar adequadamente o crime organizado
relacionado às drogas. Também deixo registrada uma observação sobre o estímulo e o exemplo para nossos filhos, que serão os cidadãos do futuro. Infelizmente, se falharmos na educação deles, poderão ser os mantenedores desse sistema atual que aflige tanto a sociedade. Nós, pais, pensamos apenas no desenvolvimento intelectual para que sejam competitivos num mercado de trabalho exigente e consumista. Às vezes, nos esquecemos do desenvolvimento moral, e esse é adquirido em casa, com os exemplos e os bons conselhos daqueles que se incumbiram da missão de tentar endireitar suas más tendências.

Daher – O homem deve ser encarado como um ser transdimensional, que tem na espiritualidade a sua essência. E, por isso, as políticas sociais devem
também incluir a espiritualidade em suas ações, desde as políticas educacionais às de saúde, desde as de combate à fome até as de industrialização.

Dezembro de 2009 - Edição número 424 - Ano XXXV

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