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terça-feira, 1 de março de 2011

Ortotanásia e morte natural

ENTREVISTA COM DR FRANCISCO DE ASSIS CARVALHO CAJAZEIRAS

Medinesp 2007 – 150 anos em busca da integração corpo-mente-espírito

Ismael Gobbo igobi@uol.com.br

PUBLICADO NA FOLHA ESPÍRITA, PAG. 5, DEZEMBRO/2007

Dr. Francisco Cajazeiras

Francisco de Assis Carvalho Cajazeiras é natural de Fortaleza (CE), onde reside. Conferencista com agenda de palestras e cursos para as casas espíritas, tem participado de diversos congressos. É fundador e atual presidente do Instituto de Cultura Espírita do Ceará e ex-vice-presidente da Federação Espírita do Estado do Ceará. Além de médico clínico e cirurgião geral, é também professor na Universidade de Fortaleza (Unifor) e Faculdade Integrada do Ceará (FIC), sócio-fundador e atual presidente (2005/2006) da Associação Médico-Espírita do Ceará e delegado do Grupo de Estudos Doutrinários no Hospital da Polícia Militar do mesmo Estado.

Folha Espírita – O que é ortotanásia?
Francisco Cajazeiras – Ortotanásia, do ponto de vista etimológico, seria a morte natural, a morte reta, a boa morte, a morte normal. Porém, do ponto de vista semântico, nada mais é que a eutanásia passiva, ou seja, aquele ato de se abreviar a vida de alguém sob a alegação de que não se deseja ver o paciente sofrer e, para isso, abstendo-se de usar os métodos terapêuticos capazes de prolongar a sobrevivência do doente.

FE – Então não há diferença entre eutanásia e ortotanásia?
Cajazeiras – Reitero minha maneira de enxergar na ortotanásia a própria eutanásia. Assim, podemos enumerar dois tipos de eutanásia: a ativa, quando se utiliza algum método para diminuir o tempo de vida, pelo uso de alguma substância letal, por exemplo; e a eutanásia passiva ou ortotanásia, quando se deixa de usar um procedimento médico para prolongar a vida do doente.

FE – E o que é distanásia?
Cajazeiras – A distanásia ocorre quando o médico obstina-se em não reconhecer o processo de morte, muitas vezes por falta de humildade para compreender, e se debate no uso de procedimentos cada vez mais sofisticados para manter o doente vivo a qualquer custo, embora já esteja em processo tanatológico.

FE – O uso exagerado da tecnologia mantendo o doente vivo a qualquer custo não dificulta ao espírito se desprender da matéria no tempo certo?
Cajazeiras – Quando isso ocorre, sim. Mas eu diria que, na prática, essas coisas não se fazem com tanta habitualidade. Temos de considerar que o médico ainda tem um grande poder de persuasão, ou seja, de um modo geral, ele é capaz de direcionar a família para a sua decisão. Vamos supor que ele diga: “Olha, seu pai não tem mais jeito, qualquer coisa que se faça vai ser inviável, o coitadinho vai sofrer mais se eu adotar desnecessariamente algum procedimento mais drástico...” O que o familiar, que não entende das técnicas e dos procedimentos terapêuticos da Medicina, vai dizer para o médico em tais circunstâncias? É uma verdadeira indução. Então, pode-se até dizer que, de um modo geral, na prática, o uso exagerado não acontece. Todavia, se o médico, atendendo ao pedido da família, aliás como recomenda a ética médica, mantiver os procedimentos meramente protelatórios em pacientes em franco processo de morte, certamente estará provocando dificuldades para o desprendimento do espírito de seu corpo físico.

FE – Então, o manter vivo a qualquer preço seria desaconselhável?
Cajazeiras – Quando nos defrontamos com um paciente para o qual o uso de medicamentos e aparelhagens sofisticadas não resulta em nada de positivo e até piora sua situação, não há justificativa para utilizá-los. Usar aparelhagem pesada quando você não tem resposta alguma, quando os benefícios são claramente escassos ou inexistentes, é estar diante da distanásia. Precisamos saber qual a indicação técnico-terapêutica, o que posso obter dessa terapêutica, independentemente de o paciente ser terminal ou não; qual a resposta que o tratamento trará para esse doente em termos de evolução da sua doença.

FE – O paciente que está fora de possibilidade de tratamento, para o qual a Medicina não tem mais nada a fazer, deveria ficar na UTI ou ter um acompanhamento mais humano em alojamento especial junto da sua família?
Cajazeiras – Entendo que o paciente de UTI é aquele que tem uma caracterização, uma indicação precisa. Ninguém vai para a UTI por qualquer coisa. É preciso que seja um paciente que tenha possibilidade de recuperação e que necessite de um acompanhamento mais próximo por parte de profissionais médicos e de enfermagem, durante 24 horas, a fim de que ele possa sair do seu quadro clínico. Então, eu diria que um paciente em processo de morte, ou seja, que já esteja caminhando para óbito, não tem necessidade de UTI. Mas, em algumas intercorrências clínicas, quando o processo de morte já é mais prolongado, ele poderia entrar na UTI, para resolução específica daquela intercorrência, e voltar para uma enfermaria e em um menor espaço de tempo para a sua residência, onde vai contar com todo o apoio e a assistência afetiva de sua família.

FE – Como deve se portar o médico espírita diante da expressão usada por médicos “se parar, parou”?
Cajazeiras – O médico espírita precisa, levando em consideração que conhece a questão espiritual, dar apoio espiritual ao doente. Quando o doente é aberto à questão espiritual, e de um modo geral ele o é, independentemente da religião que professe, o médico deve ajudar o paciente terminal a dar um novo significado para a morte e para a pós-morte. Isso precisa começar a ser estabelecido e é um trabalho importante que se iniciou no pioneirismo da eminente médica suíça Elizabeth Kübler-Ross. Todavia, já temos dados interessantes para disponibilizar aos hospitais e clínicas que queiram promover um trabalho multidisciplinar e amparar o doente nesse sentido. O médico espírita inserido nesse contexto vai dar não só apoio do ponto de vista médico, mas também do ponto de vista psicológico e espiritual, naquilo que lhe for possível, obviamente respeitando a vontade do paciente. Saberá aceitar a realidade do processo desencarnatório, mas se interessará pelo seu paciente não apenas como um ser humano, como um corpo em desequilíbrio, mas também como um ser espiritual, imortal e em caminhada evolutiva. No mínimo, ele pode orar pelo doente.

FE – Você não acha que se houvesse uma abertura por parte da direção dos hospitais, nós da casa espírita deveríamos nos habituar a levar aos enfermos uma palavra de conforto, preces e até mesmo o passe?
Cajazeiras – Olha, eu acho que sim, e teríamos bons resultados, respeitando obviamente a crença de cada um e a receptividade consentida. Eu posso dizer que há muito mais acolhimento a esse trabalho do que se imagina. Então os médiuns e outros trabalhadores espíritas poderiam desenvolver essa atividade levando aquilo a que você se reportou, sem uma postura acadêmica e sem proselitismo. Isso, com certeza, faz parte da ressignificação da morte para o paciente.

FE – Você acha que a ortotanásia atende a apelos econômicos?
Cajazeiras – A possibilidade de aumentar a sobrevida do doente terminal traz problemas éticos, médicos, sociais e econômicos. Indiscutivelmente, se a família encaminha seu doente para uma UTI de hospital particular, pode sofrer muito do ponto de vista financeiro. Para o Estado também não deixa de ser oneroso. Mas é preciso que levemos em consideração, no caso, também a questão ética, pois não podemos olvidar que o ser humano vale muito mais que o custo financeiro advindo do tratamento. Eu acho que o Estado tem obrigação, nos casos de pacientes que não podem pagar, de arcar com as despesas de UTI, pois não lhe é possível ficar em descompasso com o progresso tecnológico que a medicina alcançou, alegando problemas financeiros, quando é uma vida que está em pauta. Infelizmente, o Estado não tem agido de maneira satisfatória no que se refere à educação e à saúde. Assim, a ortotanásia, como solução velada no que tange a pacientes pobres, pode vir a ser uma triste realidade de distorção de objetivos. Com isso, os pacientes mais humildes, como boa parte dos que são atendidos pelo SUS ou pelos convênios que pagam pouco, podem ser vitimados pela ortotanásia motivada por meras questões econômicas. Já quando se trata de pacientes que podem pagar UTI particular, pode ocorrer o inverso com o hospital, podendo fazer vistas grossas para a distanásia, atendendo igualmente a problemas econômicos, haja vista que a permanência do doente por prazo mais dilatado poderá aumentar a renda hospitalar. Na minha maneira de ver, o médico não pode atender a esses apelos simplistas, devendo manter a sua neutralidade para que se leve em consideração o melhor para o paciente independentemente de tal ou qual interesse menos digno.

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