BLOG DE NOTÍCIAS DO MOVIMENTO ESPÍRITA.....ARAÇATUBA- SP

Atenção

"AS AFIRMAÇÕES, INFORMAÇÕES E PARECERES PUBLICADOS NESTE BLOG SÃO DE RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DE QUEM OS ELABOROU, ASSINA E OS REMETEU PARA PUBLICAÇÃO. FICA A CRITÉRIO DO RESPONSAVEL PELO BLOG A PUBLICAÇÃO OU NÃO DAS MATÉRIAS, COMENTÁRIOS OU INFORMAÇÕES ENCAMINHADOS."

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Receita de felicidade

Saulo Laucas e a mãe Vanessa Laucas Pereira

ENTREVISTA COM VANESSA BIANCA LAUCAS PEREIRA

PUBLICADA NA FOLHA ESPIRITA, SÃO PAULO, JULHO-2011

Ismael Gobbo

Recentemente, tive a oportunidade de assistir, na Casa do Caminho Ave Cristo, em Birigui (SP), a apresentação do tenor Saulo Laucas, 27. Autista e cego, deu um show como cantor e pianista. Resolvi, então, bater um papo com Vanessa Bianca Laucas Pereira, mãe de Saulo e de outros nove filhos, dois deles adotados. Mineira de Belo Horizonte, espírita de berço, ela me contou sua história de vida ao lado do marido Enivaldo Pereira. Esse exemplo de superação e amor incondicional é uma resposta aos que acham que não se pode encontrar felicidade na Terra, ainda que relativa, como nos sugere a espiritualidade superior. A família Laucas Pereira, moradora de Rio Comprido (RJ), onde participa das atividades do Grupo Espírita Caminho da Esperança, é feliz e tem a receita dessa felicidade.

Folha Espírita – Como foi a descoberta do autismo de Saulo e sua trajetória de vida até então?

Vanessa Bianca Laucas Pereira – Considerando a palavra dos especialistas, o autismo manifesta-se aos 18 meses. Tive oportunidade de estar com um dos grandes especialistas em Psiquiatria nessa área, no período em que esse transtorno se manifestou no Saulo, a partir de 1 ano e meio de idade. Esse médico me disse que minha queixa chegava a ser monótona em relação às observações que fazia sobre meu filho. “Todos os pais, sem exceção, diziam as mesmas coisas”, retrucava ele. Fiquei encabulada porque pensava que Saulo era o único no comportamento tão extravagante e sem nexo.

Desde minha adolescência, já pressentia que algo muito especial aconteceria em minha vida e, desse modo, estava sempre na expectativa. Não sofria por pensar assim, mas ficava sempre de prontidão; então, quando ele nasceu, sendo o sétimo filho, comecei a sentir-me diferente. Mais zelo do que o normal, preocupação exagerada, dúvidas sobre os cuidados com um recém-nascido diferente dos outros. Hoje, vejo a realidade das respostas dos Espíritos à Kardec, quando afirmam que todos sabem intuitivamente das tribulações pelas quais irão passar. Saulo tinha um desenvolvimento diferente dos outros. O que deveria ser normal para qualquer criança, de um modo geral, para ele, era motivo de rejeição; em contrapartida, ele fazia coisas estranhíssimas, difíceis de entender.

FE – E a cegueira?

Vanessa – Com 40 dias de nascido, nós o levamos ao oftalmologista, imaginando que ele tivesse algum probleminha; e já fomos ao médico entristecidos pela possibilidade dos futuros óculos. Como somos cegos! Quando o especialista disse que o problema era mais grave do que pensávamos e nos recomendou seu professor especialista em retina, pela primeira vez, o chão saiu dos meus pés. Meu marido e eu não tivemos nenhuma dúvida em fazer todos os exames e receber a resposta final de que Saulo era cego: seu olho direito não tem formação completa e o nervo ótico do olho esquerdo, já aos 3 meses, estava empalidecido pela falta de uso. Saímos do hospital e, seguindo o conselho do médico, rumamos para o Instituto Benjamin Constant (IBC). Foi o início de um novo ciclo.

FE – Que tipo de tratamento vocês buscaram para o autismo?

Vanessa – A professora que atendia o Saulo na educação precoce, no IBC, conhecia um terapeuta que auxiliava as crianças a falar, porque Saulo foi perdendo o escasso vocabulário que já havia desenvolvido. Portanto, antes de começar a falar palavras completas ele foi, ao contrário, diminuindo o pouco vocabulário que tinha. Soubemos depois que o especialista indicado atendia crianças que tinham problemas bastante graves. Era o caso do meu filho. Hiperativo, agressivo, violento. Iniciou a terapia de desenvolvimento mental baseada no behaviorismo. Foram 12 anos ininterruptos, diariamente, sem nunca faltar a nenhuma terapia. Para nós, não existia dia de domingo ou Natal. Os amigos não podiam mais frequentar nossa casa para não atrapalhar o tratamento dado. Foi uma época de muito trabalho.

FE – Você acredita na cura do autismo?

Vanessa – O autismo tem cura. Não a cura de uma pessoa completamente liberada dos traumas e conflitos. Existe alguém nessa condição? Mesmo as pessoas consideradas “normais”, mas que passam por crises de ordem psíquica ou emocional, saram completamente? Onde está o Espírito em marcha para a perfeição? A cura do autismo está relacionada ao tratamento médico, nutricional, psicopedagógico, social e espiritual. Nunca descartei a atuação dos Espíritos. Sempre estive e estarei ligada intimamente aos mentores e aos ensinamentos do Mestre Jesus. Nossa cura real deverá ser a da alma. Qualquer conquista é por mim considerada cura.

FE – Como o Saulo se comportou ao longo destes 27 anos de existência?

Vanessa – Foram longos anos de investimento. Não esperava mais do que o aprendizado do momento. Vivia apenas no hoje. É verdade que os olhos de mãe fazem, sem querer, as comparações, porém considero que essa não é a melhor forma de educar. Por isso, voltava atrás e focava apenas ele e sua realidade. O objetivo era superar-se dentro de suas possibilidades. Dessa forma, segurar a colher e levá-la à boca, sem minha interferência, era considerado vitória. Recordo-me de que a professora do IBC pediu-me para ensiná-lo a engatinhar (o cego tem tendência a andar para trás por instinto de proteção física). Eu precisava ensiná-lo a fazer o movimento de pernas e braços no chão, deitada por cima dele. Não conseguíamos. A tentativa foi dos 9 aos 13 meses de vida. Fiquei exausta e, por pouco, não desisti, até um dia em que o som de um guizo despertou sua atenção: ele levantou o corpinho e engatinhou até o local do guizo. Quase chorei, meu filho era o máximo! Em pouco tempo, antes de 2 anos de idade, Saulo foi modificando seu comportamento, tornando-se agressivo. Qualquer pessoa que o deixasse descontente ele machucava com suas pequenas, mas fortíssimas, mãozinhas. Nosso oitavo bebê já tinha nascido e o estado de alerta aumentou. Saulo chorava demais e urrava, sem conseguirmos acalmá-lo. Como não parava, segurava as portas e as batia com muita força. Não foram poucas as vezes em que os ferrolhos das portas se soltaram. Finalmente, resolvemos não colocar mais portas no conserto.

Quando íamos usar o liquidificador, Saulo deveria ser retirado de casa, porque o barulho do aparelho o enlouquecia. Era horrível! Enumerei, certa vez, 54 “neuras” que o acometiam, mas era trabalhado para libertar-se delas. Por outro lado, momentos de alegria tínhamos também. Certo dia, vindo para casa, Saulo como sempre no banco de trás, estava quietinho e eu aliviada pelo silêncio, quando ele disse “mama”. Não estava chorando, nem gritando, nem agitado. Só disse “mama”. Posso dizer que ganhei um grande presente. Que emoção!

Na Casa Espírita, o tratamento com Evangelho, passes e água fluidificada, além dos remédios homeopáticos receitados pelos Espíritos, sempre fizeram parte de sua vida. Jamais deixei de ir às reuniões por causa da confusão que ele fazia. Lugar de doente é no hospital e o Centro Espírita tem essa função. Não me preocupava com o que diziam as pessoas por não entenderem o que se passava. Foram anos difíceis, mas com a recompensa da melhoria dele. Cada dia Saulo me surpreende mais!

FE – Como foi o desenvolvimento do seu filho?

Vanessa – Ele fez o primeiro grau completo no Centro de Estudos Supletivo (CES). As provas eram dadas oralmente e escritas no papel pelo professor. Como existe uma forma diferente de atuação, era permitido que eu, quando precisasse, formulasse a questão de outra maneira para que ele a entendesse. Aos 6 anos, ele começou a tocar piano, como terapia ocupacional, mas o resultado foi tão bom que logo percebemos sua sensibilidade para música. Tem tido aulas de piano desde bem menino e o resultado é surpreendente. Como o professor de piano ensinava canto, combinei com ele uma experiência de canto com o objetivo de que Saulo pudesse verbalizar mais e expor algo de dentro de si para o mundo. Após algumas aulas, o professor mostrou-se impressionado com sua voz. Estava nascendo nosso tenor. Fomos à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Saulo fez prova para canto lírico no curso intermediário, obtendo aprovação em primeiro lugar no concurso geral. Nunca imaginei que ele soubesse tanto de teoria musical! Nova vida, novos sonhos. Nesse meio tempo, cursou o CES novamente e encerrou o segundo grau. Tínhamos em mente algo mais audacioso para ele: Bacharelado em Canto. Fez o vestibular. A prova específica foi excelente. As provas curriculares nem um pouco. Fez o ENEM. Apesar da gentileza com que ele foi tratado, a lei não privilegia casos excepcionais como o dele. Autista não tem proteção legal. Se existisse cota para casos como o dele, certamente Saulo estaria cursando o Bacharelado em Canto na UFRJ. Seu curso intermediário foi brilhante. O currículo está na secretaria da Escola Nacional de Música para ser visto. Vários professores de lá pensam que ele é aluno do Curso Superior, dada sua competência vocal e teórica. Essa é uma queixa que desejo registrar.

FE – Ele a tem acompanhado em suas atividades espíritas?

Vanessa – Saulo sempre esteve presente nas atividades espíritas. Nas reuniões doutrinárias e da juventude, ele é um estudante responsável e interessado. Pela memória prodigiosa que possui, é capaz de tecer comentários sobre assuntos espíritas. Jamais se negou a acompanhar qualquer dos familiares em eventos da Doutrina. Sua contribuição se dá através da música, quando é convidado a harmonizar o ambiente cantando ou tocando piano.

FE – Que recado você deixa para as mães e pais que vivenciam experiência como a sua de ter um filho autista para cuidar?

Vanessa – O Espírito é imortal. Acredito que essa seja a mais profunda de todas as assertivas de Jesus, e o Espiritismo a coloca por base doutrinária. Nenhum dos filhos de Deus está esquecido. Suas provas e expiações são temporárias, até o momento da compreensão total da proposta do bem, na intimidade do ser. Diante das irrecusáveis comprovações, tenho sempre por lema o consolo de Maria: “Isso também passa.” A nossa entrega a Deus e a aceitação do fato quebram o preconceito e o medo de lidar com situações tão difíceis. Não desista. Ame seu filho e fale com ele (com o Espírito), que ele compreenderá. Deixe o corpo dele de lado e entre na essência do ser que ora está enclausurado. Não devemos esquecer nunca que o comando do corpo é feito pelo Espírito que nele habita. Repita o ensinamento quantas vezes precisar, um dia ele responderá. Busque alternativas de diálogo. Não é apenas oralmente que nos comunicamos.

Conheço uma mãe que recebe as respostas do filho através de perguntas feitas no papel, com lacunas específicas para que ele marque X na resposta à pergunta feita. Essa mãe já começa a conhecer seu filho, apesar de ele não emitir nenhum som oral. Vários problemas seus têm sido resolvidos, inclusive o de dores físicas. Vamos ensinar nosso filho a escolher entre isso ou aquilo. Ele vai começar a ter autonomia e autoestima. Nunca diga que não vai adiantar. Abaixo de Deus, ninguém é mais poderoso que o Espírito. Ele tudo pode, inclusive vencer os bloqueios mentais e físicos. “Vós sois deuses”, disse Jesus. Nosso filho está incluído aí.

FE – Como tem sido a convivência familiar entre você, seu marido e os dez filhos?

Vanessa – Há quem olhe para nós, que formamos uma família diferenciada em número de filhos, e pense em missão. Não é verdade. Estamos unidos por injunções reencarnatórias. Somos devedores da Lei, mas passíveis de fazer, da nossa, uma vida feliz. Temos primado pela união de todos, apesar das naturais diferenças. Desde o berço, ensinamos que os irmãos e pais são os seres mais importantes da nossa vida, a começar pelo próprio casal. A melhor coisa que existe é não ter medo de voltar atrás e pedir desculpas. Isso dilui o problema. Em relação aos filhos casados, mantemos a atenção para que eles não percam contato afetivo entre si e os novos membros que chegaram para constituir seus lares. Ninguém está junto por acaso. Às vezes, é preciso esperar um pouco para passar o furor da crise, quando ela acontece, porque o retorno ao convívio fraterno é bom para todos. Assim temos vivido.

FE – Como você vê a religião e o lar?

Vanessa – Não descobri nada mais importante na vida que a religião: o estudo do Evangelho e o encontro com as Forças Superiores do Bem. Sem ser importante o credo, mais necessária é a lembrança de Deus nas situações em todos os momentos simples do viver. O lar deve ser visto e sentido como um santuário de bênçãos para que a fé não esmoreça. Ore com a família reunida. Se, porventura, algum dos membros se dispersar, continue sua tarefa. A luz emitida por alguém clareará os caminhos daquele que está no escuro. A mulher ainda é o maior repositório de harmonia para a manutenção do equilíbrio no lar. Acima de todos nós está Deus e Sua misericórdia.

Saulo Laucas


Saulo Laucas

Saulo dançando com a irmã Regina


Dia Internacional de conscientização

pelo Autismo

Saulo em viagem com o pai aos Estados Unidos

Saulo se apresentando ao piano na Casa do Caminho Ave Cristo, em Birigui, SP

O tenor Saulo Laucas na Ave Cristo

Saulo entre os pais Enivaldo e Vanessa

0 comentários: