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sábado, 19 de abril de 2014

Artigo especial. Recordando Allan Kardec


Yeda Hungria. Niterói, RJ
yedahungria@yahoo.com.br

Manhã de 31 de março de 1869.
O professor Rivail empacota no escritório sua extensa coleção de livros. Os preparativos para a mudança do apartamento da Passage Sainte-Anne para a Ville de Ségur absorvem-lhe considerável parte do tempo. Amélie Boudet, a dedicada esposa, ausentara-se para as compras.
A criada vem chamá-lo para atender um visitante. Bate seguidas vezes à porta, sem resposta. Intrigada, penetra no aposento e assusta-se com a triste cena: o bondoso patrão prostrado ao solo, desfalecido. Requisitado imediatamente o socorro médico. Pouco depois, irrompe o amigo Alexandre Delanne e tenta reanimá-lo com passes magnéticos. Em vão. Tombara Allan Kardec, o gigante do espiritismo, vitimado por fulminante aneurisma. Volve à pátria espiritual, de onde viera com o mandato, fielmente cumprido, de despertar o homem para a existência real da  alma, sua eternidade, e a respectiva consequência filosófica.
Manhã de 16 de outubro de 1998, cento e vinte nove anos decorridos aquela data. Ensolarado, mas frio domingo parisiense.
Procedemos de Lisboa, ainda com as doces impressões do Congresso Espírita Mundial.
Da janela do Hotel Terminus Est, defronte à Gare de l'Est, observávamos o movimento dos transeuntes, aguardando o confrade Eduardo Vasconcellos, residente em Paris e nosso cicerone, para um 'tour' espírita.
 Inicialmente, rumamos ao Cemitério do Père-Lachaise, no Boulevard de Ménilmontant, em visita ao túmulo de Allan Kardec.
 Alcançamos a Rue des Rondeaux e nos dirigimos à entrada do fundo do campo santo, em razão de o sepulcro do Codificador situar-se próximo, evitando atravessar a grande extensão do cemitério, a partir da Porte Principale.
 Ultrapassada a Porte Gambetta, percorremos a Avenue des Combattants Étrangers, admirando aqui e ali a suntuosidade dos mausoléus, em verdade monumentos artísticos às memórias e feitos dos seus 'ocupantes'. Muitos acreditam tratar-se da última morada e se esmeram em proporcionar beleza e pujança ao local dos despojos, ignorando o prosseguir da vida além-túmulo. Sabemos, contudo, que somente por ações no bem no plano físico, espíritos imortais que somos, construiremos as celestiais habitações de luz.
Inaugurado em 1804, o Père-Lachaise conta com cerca de 3.000 sepulturas de interesse histórico, artístico, cultural ou sentimental. Com 44 hectares, a área equivale a do Estado do Vaticano, e sua planta sugere uma cabeça voltada para o lado direito.
Muitos propõem que este cemitério deveria ser classificado como museu, porquanto caminhar por suas alamedas representa uma viagem pela história da França ao longo dos dois últimos séculos.
À sombra de suas 5.300 árvores centenárias estão sepultadas célebres personagens, entre elas, Balzac, Gay-Lussac, Delacroix, Bizet, Auguste Comte, Chopin, Hahnemann, Musset, La Fontaine, Molière, Oscar Wilde, Modigliani, Proust, Rossini, Champollion, Saint-Hilaire, Poulenc e tantos outros, gigantes das artes, literatura e conhecimentos. Também a tumba do famoso escultor Paul Landowski, autor da estátua do Cristo Redentor, dominante sobre a Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro.
Prosseguindo, divisamos ao longe uma construção em formato de dólmen. À medida que dela nos aproximávamos, a emoção nos ia dominando... dominando... até à comoção! Era o túmulo de Allan Kardec. Sensação indescritível ao ver de perto o monumento, por nós tão conhecido através de fotos, merecido preito  dos espíritas franceses a quem nos legou a Terceira Revelação; aquele a quem temos reverenciado com infinito respeito e admiração, desde o nosso ingresso na abençoada doutrina. Do estudo de suas obras herdamos a consolidação do caráter e a construção de uma nova visão de vida, capacitando-nos para o exercício da solidariedade humana e do crescimento espiritual.
O êxtase foi interrompido com a chegada de quatro jovens senhoras sobraçando flores frescas. Eduardo nos informou que são elas encarregadas pela União Espírita Francesa de manterem o local sempre florido, a quem transmitimos o agradecimento em nome dos espíritas do Brasil.
Diante do belo monumento druida esculpido em granito, composto de três blocos verticais a sustentar outro, horizontal, o pensamento viajou no tempo, até à Gália, à época de Júlio César, onde o professor Rivail vivera como o sacerdote Allan Kardec...
Segundo o pesquisador Herculano Pires, "poucos espíritas sabem das ligações do mundo celta, povo que vivia na Gália, com o espiritismo. Historicamente, essas ligações decorrem das semelhanças doutrinárias entre o espiritismo e o druidismo, a religião dos celtas."
Léon Denis nos diz que "a doutrina céltica se dirige, sobretudo, às almas corajosas que se esforçam para escalar os altos cumes; a todos aqueles que veem na vida uma luta constante contra os instintos inferiores; aos que consideram a prova como uma purificação e evolvem em direção à luz, em direção à suprema beleza."
Allan Kardec foi dessas almas de escol, consolidada nos ensinos célticos, ou não conseguiria, em pouco mais de dez anos, trazer à humanidade a monumental e incontestável doutrina espírita.
A edição de junho de 1869 da Revista Espírita relata que, ao cogitar-se da construção do dólmen, o frontispício teria a inscrição "Todo efeito tem uma causa; todo efeito inteligente tem uma causa inteligente; a potência da causa inteligente está na razão da grandeza do efeito." Entretanto, o texto foi substituído pela máxima tão conhecida "Nascer, morrer, renascer ainda, progredir sempre, tal é a lei."
O editorial da mesma Revista Espírita, quando da desencarnação do Codificador, declara: "Na Terra, a obra tomará o lugar do indivíduo. Não nos uniremos em torno de Allan Kardec; estaremos unidos em torno do espiritismo, tal qual ele o constituiu, e, por seus conselhos, sob sua influência, avançaremos a passos certos para as fases prometidas à humanidade regenerada."
Quando nos preparávamos para orar junto ao mausoléu, surgem turistas poloneses. Param, observam com simpatia o mausoléu, e da fala do guia só identificamos os vocábulos Allan Kardec. O que teria ele dito àquelas pessoas a respeito do missionário de Lyon?
Sua memória, até hoje, é tão frequentemente venerada que a administração do Père-Lachaise atesta, oficialmente, ser o seu túmulo o mais visitado, seguido pelo da cantora Edith Piaf, que sabiamente declarara certa vez: "A morte não existe".
Deixando o campo santo, fomos ao Palais Royal. A primeira edição de O livro dos espíritos, em lançamento, fora exposta no pátio em uma das barracas de livrarias.
Por fim,  dirigimo-nos à residência de Kardec.
A Rue Saint-Augustine, na passage Sainte-Anne 59, galeria de mesmo nome, acolhera o seu último endereço. Ali deixara a vida no último dia de março de 1869, entre 11 e 12 horas. Inicialmente sepultado no Cemitério de Montmartre fora mais tarde trasladado ao Père- Lachaise.
Estacionamos diante do secular prédio de apartamentos a contemplar a fachada ricamente trabalhada, segundo a ordem arquitetônica romana. Um pórtico com duas colunas  apoia um frontão sobranceiro à placa Passage Ste. Anne e ao número 59. A ampla entrada, com 1,60 metros de largura, conduz, por uma galeria, a uma porta de entrada, alta, dividida em duas partes, para acesso aos apartamentos. Com grande emoção giramos a mesma maçaneta que, por tantas vezes, Kardec e a esposa Amélie, ativa colaboradora, o fizeram!
Subimos um lance de escada. O seu apartamento se  localizava à esquerda. Na residência funcionava, também, o escritório da Revista Espírita.
O imóvel estava alugado por não ter os espíritas franceses recursos financeiros para sua aquisição. Acredito que se o Movimento Espírita brasileiro tivesse conhecimento desse fato na época poderíamos dispor de um museu do espiritismo em Paris.
Diante daquela porta, pusemo-nos em sentida gratidão ao missionário que nos legou uma nova ética comportamental e a certeza da perenidade do ser sobrevivente ao corpo.
À saída, o sol brilhava intenso no céu parisiense iluminando o prédio antigo, silenciosa testemunha de uma extraordinária história imorredoura!
Quem sabe, fosse a luz tributo a um dos maiores benfeitores da humanidade...
Yeda Hungria (E) em Paris, França. Rue Sainte-Anne 59: Galeria (passage) de acesso ao apartamento de                Kardec.

Yeda no  dólmen  de Kardec no Père Lachaise. Paris, França.
Palais Royal. Em abril de 1857havia no local das esferas barracas de diversas livrarias;
numa delas expunha-se a primeira edição de O Livro dos Espíritos

Pont au Change no Rio Sena  com Teatro Châtelet, Torre Saint Jacques e Praça Châtelet, Paris, França. Foto          Ismael Gobbo
Túmulo de Jean François Champollion “O Jovem” em forma de obelisco egípcio
Cemitério Père Lachaise, Paris, França. Foto Ismael Gobbo

Jardins do Palais Royal. Paris, França. Foto Ismael Gobbo

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