Richard Simonetti
Os anos enrugam a pele, mas renunciar ao entusiasmo faz enrugar a alma.
Quem disse isso, amigo leitor, sabia bem o que estava dizendo. Dentre as grandes personalidades do século XX haverá sempre lugar de destaque para ele: Albert Schweitzer (1875-1965), alguém que nunca perdeu o entusiasmo.
Cheio de vontade, foi raro exemplar do homem de múltiplas aptidões – um artista e pensador que conseguia ser também um homem de ação.
Nascido na Alsácia, filho de pastor protestante, doutorou-se em filosofia e teologia, destacando-se desde cedo como escritor. Publicou brilhantes estudos sobre a vida e o pensamento de Jesus.
Exímio organista, era fã ardoroso de Bach (1685-1750), a quem ajudou a popularizar com notáveis estudos sobre suas técnicas, além de dedicar-se à produção de órgãos mais adequados à execução de suas composições.
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Aos trinta anos poderia se considerar um homem feliz e realizado, destacando-se como musicista, teólogo e escritor, atividades que lhe eram muito gratas.
Estavam abertos para ele os caminhos da fama e da fortuna.
No entanto, revela em suas memórias:
Sentia-me esmagado sob o peso de tamanha felicidade e perguntava a mim próprio se tinha direito de receber este dom como coisa natural. O direito à felicidade, eis aqui o problema que em minha vida interior converteu-se em assunto tão importante quanto fora em minha infância a compaixão por todos os sofrimentos que reinam no mundo. Este sentimento e esta questão determinaram, por suas recíprocas reações, meu conceito de vida e marcaram meu destino.
Dava-me conta de que não tinha o direito de aceitar como dons gratuitos a felicidade e a juventude, a saúde e minha faculdade de trabalho. A profunda consciência de meus privilégios fez-me compreender cada vez mais claramente estas palavras de Jesus: “Não temos direito de guardar nossa vida para nós mesmos”. Aquele que está coberto de benefícios, na vida, deve repartir, por seu turno, na mesma medida. Aquele que não conhece o sofrimento deve contribuir para minorar o do próximo. Todos temos de assumir uma parcela da dor que gravita sobre o mundo.
Schweitzer poderia divulgar essas idéias para grandes platéias na Europa, com os dons da oratória e das letras, mas isso não lhe bastava.
Era preciso sair a campo, ir ao encontro dos sofredores!
Imperioso transformar em prática, em ativismo do Bem, as teorias religiosas de edificação do Reino Divino.
A Medicina lhe pareceu o campo mais adequado. Assim, sem vacilar, pôs em prática um projeto que acalentava desde a adolescência: formar-se médico. Aos trinta anos retornou aos bancos universitários, matriculando-se na Escola de Medicina de Estrasburgo.
Toda sua família e amigos famosos, como Romain Rolland (1866-1944), escritor francês, e Charles-Marie Widor (1844-1937), compositor e organista francês, seu professor de música, condenaram a idéia.
Widor exprimiu, num exemplo, a reprovação de todos:
– Você procede como o general que vai à linha de fogo com um rifle.
Mas Schweitzer sabia muito bem o que queria.
Inabalável, dedicou-se aos estudos, realizando prodígios de dedicação para conciliá-los com suas atividades.
Formou-se em 1913, e tão logo teve condições partiu para a África, já casado com Helene Bresslau, que lhe compartilhava os ideais.
Conseguira acumular recursos em viagens como conferencista e concertista. Seriam utilizados na fundação de um Hospital para hansenianos, em Lambarene, no Gabão.
Ali realizou seu mais caro ideal – servir à Humanidade.
E o fez com tal dedicação e amor que o Mundo festejou em 1952 o Prêmio Nobel da Paz, que lhe foi conferido em reconhecimento ao seu trabalho.
Quando desencarnou, em 1965, assim foi noticiado pelas agências internacionais:
Após uma lenta agonia, faleceu em Lambarene, no Gabão, o médico, missionário e musicista Albert Schweitzer, com a idade de 90 anos. Durante mais de meio século Schweitzer serviu ao povo africano com rara e exemplar dedicação. O “grande doutor” expirou ouvindo os acordes da música de Bach, que ele tanto amava e que executava com perfeição.
O exímio músico, o orador notável, o escritor brilhante, o teólogo erudito, seria lembrado para sempre como alguém que alcançou a suprema realização, preconizada por Jesus – a renúncia de si mesmo em favor de seus irmãos sofredores.
Corpo enrugado por décadas sob o causticante sol africano.
Alma sem mácula, sustentada pela luz do Bem.
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Ao longo da codificação espírita Allan Kardec situa o egoísmo como elemento gerador de todos os males humanos.
Ao proclamar que fora da caridade não há salvação, oferece-nos o roteiro para que o vençamos.
Preocupando-nos em socorrer o próximo começamos a derrotá-lo.
A duras penas vamos aprendendo essa lição.
Espíritos como Albert Schweitzer não precisam de orientação nesse sentido.
Perfeitamente integrados nos objetivos da existência, já nascem com a vocação de trabalhar em favor do próximo.
Desconhecendo o egoísmo, mal podem esperar pelo privilégio de servir.
Albert Schweitzer
Saiba mais sobre o orador e escritor Richard Simonetti
Acesse: http://ismaelgobbo.blogspot.com/2009/11/focalizando-o-trabalhador-espirita_30.html
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