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segunda-feira, 9 de maio de 2011

Trecho do livro: O vôo da garça

Amigos,

Na década de 30, uma mensagem psicografada pelo próprio Chico Xavier, em 21 de janeiro de 1933, do famoso poeta português, Eça de Queirós, onde através de uma das suas crônicas, recheada de um sarcasmo elegante e filosófico, causando espanto e risos, faz uma curiosa descrição do próprio médium (Piparote ao Futurismo) quando ele tinha apenas 22 anos:

“...Vi-te, finalmente. Lá surgias ao fim de uma rua bem cuidada, onde se alinhavam casas brancas e arejadas, brasileiríssimas, abarrotadas de ar, de saúde, de sol; vinhas com o passo cansado, pele suarenta a derreter-se dentro de roupas quase ensebadas, com os pés metidos em legítimos socos do Porto, obrigando-me a evocar o cais de Lisboa, onde pululam esses tipos vulgaríssimos de moços de recados e carregadores, envergando tamancos portuguesíssimos.

Sem que pudesses observar-me, submeti-te a demorado exame. Procurei a tua bagagem de pensamentos, encontrando na tua mocidade tudo quanto a tristeza criou de mais sombrio; em tua alma amargurada, vi apenas porções de sofrimentos, pedaços de angústia esterilizadora, recordações tristonhas, lágrimas cristalizadas, reconhecendo que ambos éramos falhos para o labor a empreender.

Que não te cause estranheza o meu modo particular de apreciação sobre a tua personalidade. Crê. Nisto não vai a mínima parcela de desconsideração. É que eu próprio me surpreendo com os tipos originais que o espiritualismo moderno apresenta ao mundo. Mãos que se entregam aos rudes trabalhos braçais, fazendo a literatura do além-túmulo, isto é, deste país estranho onde folgadamente, como pintassilgo às soltas na Natureza; homens interessantes, que Tartufo, atualmente, mimoseia com os epítetos de bruxos e endemoninhados e que Esculápio, com toda a sua respeitável autoridade científica, qualifica de basbaques ou mistificadores, ou, ainda, classifica de casos patológicos a estudar.

Vi-te e ri-me. Não de ti. Ri-me da estultícia do cérebro desequilibrado do asno humano, com o seu volumoso e pesado arquivo de baboseiras. E é com esse riso espantoso, com essa mordacidade que foi sempre o meu característico, que resolvi dirigir-me a esse círculo vicioso de banalidades e formalismos chatos, onde costumas chorar tolamente. Convence-te de que se comete um ato desarrazoado, uma inqualificável imprudência, em derreter-se inutilmente, porque outrem se estertora voluntariamente no lamaçal onde se repoltreiam os irracionais. Abandona essa exótica preocupação aos mais parvos do que tu. Ri-se o mundo de nós? Riamo-nos dele. Achincalhemos os seus arremedos aos gorilas, ridicularizemos as suas intuições, onde predomina a bandalheira, os meus pulos de cabra-cega; traduzamos a admiração que tudo isto nos desperta com o riso bom, que sempre apavorou os tímidos e os insuficientes.

Porque há de alguém lamentar-se sobre a grandeza das esperanças, dos entusiasmos e ilusões, pelo motivo de a Humanidade tosca preferir constantemente a mentira à verdade, a escuridão à luz, a guerra à paz, nunca conseguindo desviar-se do pantanal de detritos e porcarias?

Tens um ideal, que é o ideal do Bem. O mesmo luminoso sonho de quantos de quantos tem admirado o maior e único Mestre na Terra, que foi Jesus. Deixa os receios, os temores e as vacilações às toupeiras enceguecidas, que não suportam senão a luz coada das suas tocas subterrâneas e segue sempre, olhos fitos no clarão do teu esplendente idealismo, não reparando nem contando as dores, os tropeços, os obstáculos, recordando-te incessantemente de que só os que buscam a espiritualidade pura, que se banham nas claridades sadias do sol esplendoroso do sonho de perfeição de Jesus Cristo, é que poderão receber as grandiosidades do seu amor.

Toda a minha capacidade descritiva é impotente para pintar a ventura suprema dessas almas que aí viveram em contubérnio com as úlceras da alma, com os padecimentos superlativos, com os cancros morais. Aqui aportam cobertas de chagas vivas e sanguinolentas, que não são transformadas em focos radiosos. Cada gilvaz de dor é uma flor de luz. São esses os gozadores dos benefícios de Deus.

Nunca consegui haver-me com quem se entregasse a lamentações estéreis e improfícuas.

Conhecendo todo o martirológio dos santos, fui sempre avesso aos cilícios, às penitências, à lagrima e a conta de rosário. É que considerava improdutiva toda oração sem trabalho, toda queixa sem luta, toda lamúria sem um esforço sério, no eterno combate da perfectibilidade.

Os que lutam, os que lutam e sofrem, batendo-se corajosamente, são os que possuem as alegrias daqui, que constituem o “notre argent” com que adquirimos a felicidade sem mescla.

E são prazeres radiosíssimos, belos. Nem podem comparar-se ligeiramente ao gozo institntivo do bicho humano, ao contemplar a “belle femme”, as sensações báquicas que se experimentam num café londrino e nem mesmo à alegria louca do artista que se vê, de uma hora para outra, coroado de glórias, no clássico “salon” de Paris.

São emoções divinizadas, só aprendidas pelos lutadores, pelos que sonharam na esperança linda de concretização das doutrinas de fraternidade, da luz, do amor, da paz e do perdão.

Segue, pois, o teu grande e luminoso ideal.

E perdoa-me, se nada mais sei dizer, que te incite à prática do Bem. É que nunca me pesaram muito na alma essas questões de virtudes e bem-aventuranças; jamais pude esconder o meu amor, “enragé”, por tudo quanto é singularmente profano. Soube rir, rir apenas. Talvez seja esse o motivo por que se enferrujaram as fibras mais delicadas da minha sensibilidade de ironista, faltando-lhes, por certo, para que se mantivessem normais, o lubrificante das lágrimas, que detestei em todos os minutos da minha vida boçal de palhaço.

Adeus. E não olvides do riso, às investidas dos patifes que se refestelam no brejo lodacento das misérias deste mundo de esclarecidíssima ciência ateia, de grandes sábios pigmeus e de portentosas nulidades.”

(Extraído do livro: O Voo da Garça: Chico Xavier em Pedro Leopoldo. Editora Vinha de Luz)

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